Por Acaso
(o humor na clínica psicanalítica)
Aida Ungier
Parece ser universal a sustentação psíquica trazida pelos momentos em que nossas próprias palavras ressignificam situações de angústia ou desamparo. Eis que, diante do mudo fio da navalha, surge, de maneira inaudita, o vigor de uma fala prenhe de novos sentidos.
Muitas vezes o humor é um dos protagonistas desses acasos. Manifesto, logo retraduz a insistência pulsional que alimenta o que ainda não foi enunciado. Dito, refaz um percurso que, à maneira de uma pequena obra de arte, sustenta o sujeito no discurso.
Contrariamente ao senso comum, Aida Ungier defende que o objetivo do dito espirituoso não é fazer rir. O humor não surge em nome do riso, e seu maior mérito consiste em permitir ao sujeito retirar a alegria de viver de seus próprios infortúnios, ou seja, o que ameaça o sujeito é a própria matéria-prima da reviravolta que ele imprime aos acasos que se lhe apresentam.
Além disso, a autora mostra que não se deve encerrar o estudo do humor na clínica psicanalítica em definições estritas, mas sim permitir, à luz de sua investigação, o surgimento de novas possibilidades de resposta para os impasses encontrados tanto pelo psicanalista quanto por aqueles que o procuram.
Por acaso resulta, portanto, de algo que não se pode prever e que só recebe seus sentidos por meio da permanente atenção uniformemente suspensa que o analista deve à sua prática, contraparte necessária da associação livre à qual o sujeito deve aceder.
Aida Ungier. Psiquiatra e psicanalista. Membro convidado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Mestre em Teoria Psicanalítica pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.