Trabajo y Psicoanálisis |
A significação do trabalho para o individuo surdo
Marlene Canarim Danesi (*)
Resumo
Antes de analisar o que significa o trabalho para a pessoa surda, teceremos diversas considerações sobre: a visão sócio-antropológica da surdez; a importância da Língua de Sinais para a constituição da identidade surda; a condição Bilíngüe-Bicultural do surdo. Analisamos ainda o que é ser surdo em um mundo ouvinte e as dificuldades que enfrentam para se integrarem no mercado de trabalho, examinando, inclusive, uma pesquisa sobre o tema. Partindo de um paralelo entre a concepção tradicional e a renovadora da atitude laboral, centramos este estudo em reflexionar sobre a hipótese mencionada por Sebastian Plut: "que cada quadro clínico dota a atividade laboral de uma significatividade específica", examinando as particularidades com que as pessoas surdas plasmam sua vida laboral, por um lado, e a carência de subjetividade por outro.
I Concepção sócio-antropológica da surdez
Na década de sessenta antropólogos, lingüistas, sociólogos, psicólogos começaram a ter interesse pelo surdo, por sua cultura, sua língua e sua educação. Este fato foi fundamental para iniciar a mudança da Representação Social, que até esta data a sociedade ouvinte tinha construído a respeito destes indivíduos. Uma nova concepção filosófica, não mais baseada na patologia, começa a surgir.
Segundo Carlos Skliar (1995) o surdo é um ser sociolingüístico diferente, pertencente a uma comunidade lingüística minoritária caracterizada por compartilhar o uso da Língua de Sinais e valores culturais, hábitos e modos de socialização. A Língua de Sinais é um elemento aglutinante e identificatório dos surdos, constituindo seu modo de apropriação com o mundo, o meio de construção de sua identidade, sendo através dela que o surdo põe em funcionamento a faculdade da linguagem, inerente a sua condição humana.
Isto não significa que a oralização seja desconsiderada, pelo contrário, a capacidade de articulação é muito desejável. O essencial é que as pessoas surdas não conseguem falar naturalmente, esta habilidade tem que ser ensinada, através de um penoso e prolongado trabalho, durante muitos anos. Portanto, não é possível esperar por este ensino individual e intensivo, para depois transmitir informações, cultura e habilidades mais complexas. É preciso que o surdo tenha acesso ao conhecimento através da sua língua natural, resultando daí sua condição bilíngüe e bicultural.
II Biliingüismo e biculturalismo
Desde que a surdez passou a ser vista de forma mais abrangente, através de uma visão sócio-antropológica, muitas pessoas começaram a fazer questão de distinguir a surdez auditiva da surdez como entidade lingüística e cultural, escrevendo a primeira com "s" minúsculo e a segunda com "S" maiúsculo.
Esta nova concepção trouxe como primeira conseqüência a necessidade de reconhecer o surdo, como um ser bilíngüe e bicultural, que necessita comunicar-se com dois mundos e vivenciar duas culturas. O surdo necessita dominar a Língua de Sinais para comunicar-se com a Comunidade Surda e o português para se integrar na sociedade.
A construção da identidade da pessoa surda está relacionada com sua convivência com sua própria cultura. Vivenciar valores, hábitos e compartilhar o uso de uma língua desperta na pessoa surda a sensação de pertencer a uma comunidade, necessidade básica para a afirmação do ser humano.
A necessidade de integração, na sociedade majoritária, obriga o surdo a tentar se expressar na língua oral. Uma boa oralização é demanda dos próprios surdos, que têm consciência da importância que ela representa para a integração no mundo do trabalho.
III O que é ser surdo
Ser surdo, em um mundo onde a palavra ouvida ocupa papel preponderante, é uma situação de grande complexidade e difícil de ser imaginada. O surdo habita um corpo diferente, sem voz, a realidade externa é a mesma, porém o mundo interno é imaginado de forma diferente.
Diferenças estas que impossibilitam a criança surda de construir uma identidade, caso algumas providências não forem tomadas. Os surdos enfrentam extraordinários desafios, quando não adquirem uma verdadeira linguagem, pois mesmo com inteligência normal demonstram limitações em seu funcionamento intelectual.
Oliver Sacks (1998) considera que a ausência de uma língua não despoja o ser humano de uma mente ou a torna mentalmente deficiente, porém fica gravemente restrito no alcance de seus pensamentos, confinado de fato, a um mundo imediato pequeno.
Vygotsky sempre destacou o papel social e intelectual da linguagem, não desconhecendo entretanto a relação entre cognição, linguagem e afeto. Na criança surda este equilíbrio se altera, havendo portanto conseqüências para os três aspectos. Schlesinger e Meadow resumem esta situação no livro "Sound na Sign", com a seguinte frase: "A surdez profunda na infância é mais do que um diagnóstico médico; é um fenômeno culturais com padrões e problemas sociais, emocionais, lingüísticos e intelectuais que estão intimamente ligados".
Os surdos dão muita importância para a sua língua natural, consideram como parte de sua pessoa, possuem também um certo medo inconsciente de que lhes possa ser retirada, paradoxalmente, com um certa freqüência. Os próprios surdos somam-se aos ouvintes para demonstrar desprezo pela Língua de Sinais.
Em 1972, Kannapel fundou uma organização "Deaf Prid" (Orgulho Surdo), com a finalidade de despertar a consciência dos surdos e anular os sentimentos que até o final da década de 70 eram comuns, não só em relação a depreciação de sua língua natural, como também no que refere e submissão, passividade e até vergonha, que os surdos sentiam de sua condição.
IV A importância da palavra na constituição do ego do surdo
Freud já referia que a palavra é patrimônio do "eu" e que a aquisição da linguagem comporta um papel central na constituição e na transformação do psiquismo. É através desta estrutura complexa, constituída por elementos auditivos, visuais e cinestésicos que as inscrições culturais são resgatadas. A origem destas inscrições é o fundamento que serve à função comunicativa da linguagem.
As investigações de Volterra (1989), Skliar (1988), Massone (1991), Triadó (1989), comparando crianças surdas, filhas de pais surdos, com crianças surdas, filhas de pais ouvintes, confirmam a importância da aquisição da linguagem para o mundo interno. As pesquisas de Behares (1994) contribuíram muito para o entendimento da relevância da Língua de Sinais na construção do EU.
Também é possível fazer algumas relações entre os quatro elementos constitutivos da palavra (Freud, 1891) e os efeitos que a ausência de um deles pode ocasionar na aquisição de conceitos.
A palavra é constituída por quatro elementos: imagem acústica da palavra ouvida, imagem visual da palavra escrita, imagem motriz da palavra ouvida e imagem motriz da palavra escrita. Os dois primeiros elementos correspondem a inscrição psíquica de estímulos mundanos e, os outros dois, derivam das próprias vivências motrizes, nas tentativas de repetir de um modo ativo as referidas percepções.
Freud hierarquiza os elementos sonoros, assinalando porém, que a hegemonia do componente sonoro não suprime o valor dos outros dois elementos, que continuam tendo a importância relativa. Utilizando estes conceitos freudianos, para estudar a aquisição da palavra, pela pessoa surda, podemos chegar a algumas considerações interessantes.
No indivíduo surdo faltam as condições para captar os dois elementos sonoros, justamente os que são hierarquizados por Freud, desta forma as imagens visuais e as imagens motrizes da palavra escrita são as que vão desempenhar um papel central na aquisição dos conceitos. Esta constatação confirma a importância da Língua de Sinais para os surdos, na aquisição de uma competência lingüística, pois a língua da comunidade surda é essencialmente visual e motriz, sendo inclusive definida como a língua "falada" com as mãos e "ouvida" com os olhos.
É inevitável que esta diferença, aos elementos constitutivos da palavra, influencie na forma de representação coisa e da representação palavra. Considerando que, para as pessoas em geral, é a palavra falada e escrita que tem dupla função de fazer consciente e inconsciente e facilitar o vínculo com as demais pessoas, pode-se dimensionar o papel da escrita, para o indivíduo surdo. É a palavra escrita que dá conta desta funções, permitindo maior abstração e tirando o corpo de uma postura centralizadora, possibilitando, portanto, o enfrentamento dos problemas comunitários, entre eles o Mundo do Trabalho.
Antes de examinar, especificadamente, a integração do surdo no mercado de trabalho e o que representa a atividade laboral, para este indivíduos, como eles plasmam sua vida profissional, sentimos a necessidade de fazer algumas reflexões sobre o que é trabalho, comparando os pontos centrais da concepção tradicional com a visão renovadora, para concluir com as particularidades e especificidades entre surdez e trabalho.
V Concepção tradicional e concepção renovadora
Segundo Sebástian Plut estas duas concepções sobre o trabalho são opostas e, a visão tradicional ainda é dominante, centrada sua atenção primeira e exclusivamente nos problemas de higiene e segurança do trabalho e secundariamente, na medicina do trabalho. A preocupação é apenas com a situação presente, analisando em separado os riscos e considerando os trabalhadores como simples força de trabalho. Nesta visão, o trabalho é visto como fenômeno individual, portanto as conseqüências dos problemas originados pela atividade laboral também são examinadas individualmente por cada especialista. É uma concepção que descaracteriza as diferenças individuais.
Já a concepção renovadora percebe o trabalhador de forma diferenciada, respeitando suas desigualdades, tendo como prioridade ouvir o trabalhador para saber de que forma os riscos afetam sua vida e sua saúde. A concepção renovadora, segundo Plut privilegia o aspecto social e cultural do trabalho, pois é através da atividade laboral "que os trabalhadores se relacionam, estabelecem vínculos, criando suas regras do ofício ou ideologias defensivas frente aos riscos, constituindo desta maneira o que denominamos um coletivo de trabalho".
Nesta concepção há uma preocupação com a melhoria das condições do trabalho, com a prevenção e sobretudo com o bem estar do trabalhador, com a sua saúde, com os seus relacionamentos. Entretanto a visão tradicional ainda é preponderante, portanto os trabalhadores continuam sendo explorados, correndo riscos, perdendo a saúde, sendo desrespeitados em suas individualidades e concebidos apenas como força de trabalho.
Robert Kurz, filósofo alemão, acredita que o mundo está vagando por um caminho perverso em relação ao trabalho. Não acredita que as pessoas atualmente procurem se realizar mais no trabalho, simplesmente porque eles definem objetivos próprios, não os realizam e só atendem as exigências do mercado. A flexibilidade do trabalhador moderno faz com que ele não faça mais a pergunta "O que quero?", mas sim "Como eu posso vender a mim mesmo?". O resultado é um sujeito esquizofrênico.
Criticando a forma como a sociedade está organizada, em relação ao trabalho, a presidente a Associação Psicanalítica de Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil, levanta alguns questionamentos importantes a respeito da valorização do trabalho estar cada vez mais associada a conta bancária, a lista de bens e a potência de compra. Esta forte relação com o consumo, faz com que o indivíduo, em vez de estar realmente exercendo um valor, torne-se apenas um projeto de marketing, previsível e descartável e completamente substituível. Na feliz expressão de Ricardo Golgenberg, em publicação recente sobre a globalização e psicanálise, "passamos a ser consumidores consumidos".
O momento atual é um tempo de medo para todos os trabalhadores, que estão aceitando condições de trabalho cada vez piores. O neoliberalismo tem sido a ideologia e o executor da crise do trabalho. Se esta situação está em todo o mundo e para todas as pessoas, é fácil imaginar a dimensão que adquire para as pessoas surdas, que sempre tiveram dificuldades para integrar o mundo do trabalho.
Tendo em vista a impossibilidade de analisar e examinar todas estas variáveis, tentaremos limitar nossas considerações na significatividade específica que a surdez dota a atividade laboral. Além de examinar dados de uma pesquisa sobre o tema, também analisaremos as particularidades de como as pessoas surdas plasmam sua atividade laboral e o que representa o trabalho para elas.
VI Integração do surdo no trabalho
Integrar o surdo na atividade laboral, sem dúvida nenhuma, tem sido a preocupação mais constante dos pais dos deficientes auditivos, fonte de frustração para eles próprios e um desafio para todos os profissional envolvidos nesta complexa tarefa.
Em primeiro lugar, porque o mundo do trabalho é um âmbito que exige reflexão interdisciplinária, no caso dos surdos, somente os assistentes sociais timidamente tem se encarregado deste tema, assim mesmo apenas de forma prática. A carência de estudos resulta no desconhecimento das reais causas da pessoa surda ter dificuldades de ingressar e permanecer no mercado de trabalho.
A falta de desenvolvimento de pesquisas impossibilitam analisar as influências familiares, o relacionamento no ambiente de trabalho, tempo de permanência no emprego, causas da rotatividade e sobretudo o significado que o trabalho tem para o surdo.
Tentando contribuir para ampliar os conhecimentos, nesta área, iniciamos em 1994 uma pesquisa, acompanhando surdos empregados e desempregados. Forma muitas as variáveis estudadas, entretanto não sendo possível examinar todos os dados da pesquisa, comentaremos apenas àqueles que se referem ao significado que o trabalho tem para a pessoa surda.
Utilizamos quatro tipos de questionários diferentes, para os colegas, para a chefia, para a família e para os próprios surdos. Interpretando os dados coletados, concluímos que os fatores motivadores destes indivíduos para o trabalho são praticamente os mesmos que determinam a necessidade de trabalhar para qualquer ser humano.
Verificamos que os surdos observados desejam trabalhar para se sustentar economicamente, para alcançar uma situação estável e conseguirem mais segurança. A auto-estima e o desenvolvimento pessoal estão também presentes nas motivações dos surdos, no que diz respeito a atividade laboral. Estes fatores estão distribuídos em porcentagens diversas e, apesar de serem os mesmos que levam a população em geral a trabalhar, pode-se observar que alcançam uma dimensão distinta no caso da surdez.
VII O que representa o trabalho para o surdo
Em relação ao sustento econômico, constatamos que para o indivíduo surdo, este fator transcende ao fato de poder comer e vestir, o que pesa mais é poder contribuir para o orçamento familiar. As dificuldades que enfrentam para encontrar trabalho, aos longos períodos de desemprego, parecem influenciar decisivamente na atitude prazeirosa, observada nos surdos, quando podem auxiliar nas despesas da casa. É como se fosse um devedor humilhado, que sente satisfação e orgulho de poder salvar a "dívida".
A questão da estabilidade, da segurança, no caso da surdez, reveste-se de proporções extraordinárias. Pode-se observar um medo constante e silencioso, nos surdos empregados, em relação a possibilidade de perder o trabalho. Este receio permanente foi referido e destacado pelos familiares, que compartilham destes temores. Analisando, com mais profundidade, determinados comportamentos e certos comentários foi possível verificar sinais claros e indicativos de que os próprios pais são os responsáveis por esta insegurança demasiada, provavelmente como reflexo de representação que possuem de seus filhos surdos.
Quando examinamos o sentido de pertencer, sentimos claramente que este fator não tem o mesmo peso para os surdos, do que para os empregados em geral. Ficou evidente que eles, mesmo quando adaptados, não chegam a se identificar com o grupo de trabalho. São atenciosos, solidários, mas não aprofundam os laços de amizade com os colegas de trabalho. A cumplicidade, elemento aglutinatório entre os trabalhadores, só se efetiva entre o grupo de surdos e o sentimento de pertencer só acontece em relação a comunidade surda.
A auto-estima é um fator relevante nos efeitos que o trabalho provoca nos surdos. A sensação de frustração, culpa e humilhação é evidente nos surdos desempregados. A atividade laboral é claramente transformadora da realidade externa do indivíduo surdo. A sensação de autonomia foi destacada pelos familiares dos surdos, assim como atitudes de confiança e auto-valorização, que se seguiram ao início do vínculo empregatício.
Outra evidência apontada na pesquisa de 1994, em relação ao significado do trabalho para o surdo, diz respeito a melhoria do relacionamento com familiares em geral e com os pais em particular. Foi possível concluir que, para os surdos, o fato de conseguir trabalho tem uma conseq6uência maior do que apenas "ganhar dinheiro". A independência financeira faz com que eles se sintam mais capazes, mais autônomos e, portanto, menos passivos e submissos. Observou-se uma diminuição considerável no conflito geracional, entre os surdos empregados.
Quanto ao fator desenvolvimento pessoal não foi significativo na maioria dos surdos observados, somente naqueles, com grau de escolaridade mais alto (2 º grau ou superior incompleto) ou com nível de inteligência superior a média, estabeleceram relações entre trabalho e desenvolvimento pessoal.
No momento que revisamos os dados coletados de nossa pesquisa, para este artigo, percebemos que outras variáveis poderiam ser introduzidas e, também a possibilidade de fazer uma outra releitura da interpretação dos resultados. Passaremos a analisar alguns destes aspectos, levantando questionamentos, que poderão servir de investigações posteriores.
Examinando as relações entre desocupação e surdez, é possível fazer algumas reflexões interessantes. Quando pensamos em desocupação aparece como dado importante a fato de estar dessocializada, tendo em vista que a comunidade dos desocupados, segundo Plut, é uma comunidade imaginária, sem laços, nem vínculos, não havendo leis, nem ações e reações coletivas.
Para a comunidade surda, a falta de ocupação adquire características específicas, modificando esta visão e tendo conseqüências no comportamento e nas ações dos desocupados.
Os surdos costumam se reunir com muita freqüência e de forma sistemática, nos mesmos lugares, em Porto Alegre, na Sociedade dos Surdos. Como é comum o desemprego entre as pessoas surdas, um grande número de desocupados passam a se encontrarem com muita assiduidade, passando a comunidade dos surdos desocupados a ter a existência real, com laços, vínculos e sentimentos compartilhados e, em algumas vezes, até em ações e reações coletivas, como o que aconteceu em 1996, numa passeata de surdos reivindicando emprego.
Esta situação, completamente oposta a comunidade dos desocupados em geral, quer nos parecer, torna a situação dos urdo mais suportável, ainda que existam os mesmos sentimentos de humilhação, frustração e culpa, já referidos. A diferença é não estar dessocializada e haver laços e vínculos entre os desocupados surdos.
Quanto a atribuição de responsabilidades, pelo fato de não encontrar ocupação, entre os surdos há uma diferença bem marcante, em relação a causa principal. Enquanto os desocupados, em geral, são levados a se sentirem inferiorizados a atribuírem, mesmo que inconscientemente, o não conseguir ocupação pela falta de competência individual, as pessoas costumam responsabilizar a surdez e a incompreensão dos ouvintes, por esta circunstância, pelo fato de haver tanto desemprego entre eles.
Outro fato que só foi objeto de nossa análise nesta revisão dos dados, diz respeito a estruturação temporal. O indivíduo que trabalha ordena o seu dia com a lógica do tempo. Costumam estabelecer uma rotina para todos os sete dias da semana, com uma lógica temporal. Entre os surdos é comum a dificuldade em estabelecer horários. O costume de permanecerem reunidos, até horários avançados da noite, sempre recebeu explicações e justificativas relacionadas a necessidade de convivência, a hábitos tradicionais da comunidade surda.
Nesta revisão interpretativa dos dados levantamos questionamentos relacionados a estruturação temporal. Como existe um desemprego endêmico entre os surdos, que permanecem por longos períodos desempregados, não será esta falta, quase que permanente de trabalho, a responsável por esta dificuldade em organizar o seu dia com a lógica do tempo? O não cumprimento de horários, fato corriqueiro entre um significativo número de surdos também não poderia ser justificado pela ausência de estruturação temporal?
Estas e outras perguntas e questões devem servir de ponto de partida para as discussões e futuras reflexões, sobre a especificidade que cada quadro clínico apresenta para a atividade laboral. Ainda conhecemos muito pouco sobre o que realmente representa o trabalho para o surdo. A necessidade de atender as suas necessidades básicas muitas vezes não deixam espaço para o surdo se questionar sobre os aspectos colocados pela visão renovadora do trabalho. São quase inexistentes as investigações neste sentido.
Nossa preocupação com este assunto também é recente e partiu de conversas com surdos adultos que, informalmente, no início, colocaram suas preocupações e seus anseios. Depois que iniciamos a pesquisa, já referida neste trabalho, sentimos a necessidade de aprofundar o tema. Pensamos estar contribuindo de forma singela para levantar questionamentos e tentar buscar respostas, através de mais estudo, mais pesquisa e, sobretudo, maior número de depoimentos dos próprios surdos, os maiores interessados no assunto.
Bibliografia
Costa, Ana Maria Medeiros. O valor simbólico do trabalho e sujeito contemporâneo. Palestra no Congresso da Associação Psicanalítica. Porto Alegre, 1998.
Danesi, Marlene. Integração do surdo no trabalho. Anais do II Congresso Internacional de Fonoaudiologia. São Paulo: Lovise, 1995
Ferraz, Eduardo. Mataram o lazer. Entrevista com Robert Kurz. Isto É. São Paulo: Abril, 1998.
Plut, Sebástian. Anotações de aula. Ulbra, Canoas, 1998.
_____________. Ciências sociais aplicadas a problemática do desvalimento. Ulbra, Canoas, 1997.
Sacks, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Skliar, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
(*) Fonoaudióloga y Mestranda em Problemas e Patologias do desvalimento
E.-mail: marlene@plug-in.com.br