Investigación à Psicoanálisis

Teoria da Investigação em Psicanálise

Apresentação

Nesta Seção do Fórum Psicanálise ÿ Investigação nos propomos desenvolver todas aquelas questões relativas à Teoria da Investigação em Psicanálise. Como assinalamos na Apresentação, consideramos que é imprescindível dar conta da especificidade da investigação em nosso campo, na medida em que ela não se pode assimilar ponto a ponto a nenhuma prática científica. Isto resulta fundamental, além do mais, para poder apreciar em sua justa medida a validade e a eficácia clínica do conhecimento assim produzido – a partir de tais investigações – em cada um dos âmbitos de inserção da psicanálise; e é o principal objetivo desta seção.

Para começar, convém discriminar duas questões que consideramos essenciais à investigação analítica: por um lado podemos situar aquilo que tem que ver com a investigação clínica, e que nos remete à tarefa que um analista sustenta no tratamento de cada sujeito.

Uma primeira pergunta é se isto poderia se pensar de outro modo que como uma investigação, porque o que há que ir levando adiante aí, na singularidade de cada caso, é como entender-los se não nestes termos? E, por outro lado, há outro nível do problema, quiçá o mais difícil de pensar, que é de que modo este trabalho de investigação clínica, aquilo que um analista realiza no tratamento de um sujeito, como poderia ser transmitido, como poderia passar a ser de utilidade para a orientação da cura de outros sujeitos e, além do mais, ter algum valor para o trabalho de outros analistas. Isto é, como poderia se pensar sua transmissão, em termos de que algo dessa experiência que um analista acumula depois do tratamento de distintos sujeitos, possa levar a alguma abstração conceitual que tenha um valor científico, enquanto seja esta experiência de algum modo constatável e reproduzível. Isto é um problema para a psicanálise desde sempre, e chegou o momento de retomá-lo. Propomo-nos então, algumas perguntas, como um ponto de partida de nosso percurso:

- Qual é o lugar da investigação em psicanálise?

- Que relação se pode estabelecer entre psicanálise e investigação?

Com respeito ao lugar da investigação no campo da psicanálise, podemos observar que ele é, aparentemente, muito mais claro em Freud que em Lacan, que em determinado momento chega inclusive a dizer:

"...Gostaria, desde já, evitar um mal-entendido. Dir-me-ão: de todas as maneiras, a psicanálise é uma investigação. Pois bem, permitam-me enunciar, inclusive para os poderes públicos, para quem este termo investigação, desde há muito tempo parece servir de schibbloet, de pretexto para muitas coisas, que não me fio de dito termo. No que me diz respeito, nunca me considerei um investigador. Como disse uma vez Picasso, para o escândalo daqueles que o rodeavam: não busco, encontro".(1)

Antes de determo-nos a examinar em que contexto se pode ler esta afirmação tão forte de Lacan, e qual é o seu alcance, vamos ver de que modo Freud, desde o início mesmo da experiência psicanalítica, e sem ambigüidades, vai assinalar à investigação um lugar essencial:

"Na psicanálise existiu, desde o começo mesmo, um nexo inseparável entre curar e investigar... O conhecimento trazia o êxito, e não era possível tratar sem se interar de algo novo, nem se ganhava um esclarecimento sem vivenciar seu benéfico efeito. Nosso procedimento analítico é o único em que se conserva esta conjunção. Aqueles conhecimentos que se tenha conseguido adquirir no caminho de uma análise, se encontrarão transformados em poder terapêutico". (2)

Sem dúvida – como dizíamos – há outro aspecto da investigação psicanalítica que resulta mais problemático: De que maneira se pode sistematizar o conjunto dos conhecimentos que o psicanalista vai acumulando? Como articular as ferramentas teóricas e técnicas que se vão produzindo? Em suma, dado que em psicanálise se trata da singularidade do sujeito, então o que de um tratamento de um sujeito pode ser de alguma utilidade para o tratamento de outro(s) sujeito(s)? Poderíamos reformular estas perguntas do seguinte modo:

Pode-se pensar a investigação em psicanálise nos mesmos termos que a investigação científica? (Pergunta que é solidária de outra que, em certo sentido, a precede: é a psicanálise uma ciência?).

Poder-se-ia formular e sistematizar, para a psicanálise, um método específico de investigação?

Podemos retornar, neste ponto, àquela citação de Lacan, que sem dúvida não deixa de incomodar enquanto que acende em nós uma luz de alarme que tem, como um primeiro efeito, o de nos deter... Porém será necessário, não obstante, poder atravessá-la. (3)

Mais adiante do momento em que Lacan pronuncia estas palavras, que ele situa como " a excomunhão" – ele mesmo se considera excomungado – nos interessa localizar o que ele está questionando no início desse seu primeiro seminário ditado por fora de toda ancoragem com as instituições psicanalíticas "oficiais" da época: o que ele está colocando em questão são os fundamentos mesmos da psicanálise, quais são esses fundamentos, o que a funda como práxis, o que seria necessário à psicanálise para estar autorizada a chamar-se ciência:

"O específico de uma ciência é ter um objeto. Pode-se sustentar que uma ciência se especifica por um objeto definido, ao menos, por certo nível operativo, reproduzível, ao qual se chama experiência. Porém, temos que ser muito prudentes, porque este objeto muda, e de maneira singular, no curso da evolução de uma ciência. Não se pode dizer que o objeto da física moderna é o mesmo agora que no momento de seu nascimento, o qual, informo a vocês, é para mim o século XVII. E o objeto da química moderna, é por acaso o mesmo que o do momento de seu nascimento, que situo em Lavoisier?" (4)

Precisamente, o objeto é aquele que ele mesmo acabava de delimitar – se pode até dizer: de inventar – em seu seminário do ano anterior (5): o objeto a. Claro que se trata de um objeto muito particular, que não é possível compará-lo com nenhum outro objeto. O qual nos coloca certas dificuldades para precisar qual é o objeto da psicanálise: este seria, somente dois anos depois, o tema central de seu décimo terceiro seminário, O objeto da psicanálise. É necessário situar, não obstante, que o que interessa a Lacan nesse momento, é poder diferenciar o campo da psicanálise do das ciências positivistas, que ao que parece, é para onde pretendem conduzir a psicanálise aqueles pelos quais foi ele excomungado. E é nesse sentido que vai deslindar, no campo da investigação chamada científica, dois domínios: o domínio onde se busca – que vai situar como aparentado ao registro religioso – e o domínio onde se encontra – que podemos relacionar com a Heurística. Quando Lacan se refere ao termo investigação como schibbolet, como "pretexto para umas quantas coisas ", está fazendo alusão especificamente à investigação subvencionada pelo Estado – naquele momento, na França – que se eterniza em seu "trabalho" em troca de seguir recebendo o salário de uma bolsa. em troca de seguir recebendo o seu sal mpo da investigar certo nnos... tratamento de outro(s) sujeito(s)?

Por outra parte, nos parece oportuno recordar algo que Lacan assinalara em sua comunicação do ano de 1953, conhecida como o Discurso de Roma: "... não parece aceitável a oposição que poderia se traçar das Ciências Exatas com aquelas para as quais não cabe declinar a nominação de conjeturais". Para Lacan não haveria tal oposição, a falta de um fundamento para isso, já que "a exatidão se distingue da verdade, e a conjetura não exclui o rigor". E se a ciência experimental toma da matemática sua exatidão, sua relação com a natureza não deixa por isso de ser problemática. O que situa claramente como falaz a posição segundo a qual o investigador ficaria obrigado a optar definitiva e irremediavelmente por um ou outro paradigma – isto é, o paradigma das ciências "galileanas", ou o das ciências conjeturais. Em todo caso, e dado que segundo o que dizíamos no começo não se pode assimilar a psicanálise ponto por ponto a nenhuma outra prática científica – na medida em que seu objeto não é comparável ao de nenhuma ciência – haveria que pensar se a investigação em psicanálise requererá a formulação de um novo paradigma ou, simplesmente, um posicionamento distinto por parte do investigador com respeito a esses mesmos paradigmas que, atualmente, mantêm sua vigência em uma tensa luta por legitimar-se como o único critério de validade universal.

Para finalizar, se nos remetermos ao incomensurável avanço científico em vias de se alcançar na atualidade, no campo da genética e da biologia – nos referimos ao deciframento completo do genoma humano – também podemos nos perguntar: Aqueles fenômenos subjetivos que não se explicarão através desse monumental trabalho, não ficarão por fim despejados como um campo aberto em forma legítima a uma investigação que, sem rejeitar esse saber alcançado, possa se confrontar com os enigmas que desde aí permaneçam abertos? Esperamos que todas estas questões que aqui introduzimos inaugurem um enriquecedor debate que nos permita avançar em nossa investigação.

Notas

1Lacan, J.; Los cuatro conceptos fundamentales del Psicoanálisis, Buenos Aires, Editorial Paidós, 1989.

2 S. Freud, Pueden los legos ejercer el análisis?, 1926.

3 É o mesmo Lacan quem também atravessará essa frase em uma época posterior, para resignificar o valor da "busca". Como testemunho disso, podemos encontrar, por exemplo, em seu Seminário 23, aula de 17/2/1976: "Começo a fazer o que implica o termo busca: a girar em círculo. Houve um tempo no qual eu era um pouco estridente. Dizia como Picasso – porque isso não é meu – eu não busco, encontro. Porém agora me custa mais desmatar meu caminho". Ou no Seminário 25, aula de 14/3/1978: "Atualmente não encontro, busco. Busco, e inclusive algumas pessoas não encontram inconveniente em acompanhar-me nesta busca". (Seminários inéditos).

4 Lacan, J.; Los cuatro conceptos fundamentales del Psicoanálisis (Seminário XI), Buenos Aires, Editorial Paidós, 1989.

5 Lacan, J.; La angustia (Seminário X), inédito.


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