Número 140/1
O caso em controvérsia e outros trabalhos
Sumário
Editorial
Artigos
- Marta D’Agord, "Sobre a coletânea Le cas en controverse”
- Marta D’Agord, “Uma construção de caso na aprendizagem”
- José Luiz Caon, “Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica de Serguéi Constantinovitch Pankejeff, o ‘Homem dos lobos”
- Pierre Fédida, “A brincadeira da neuropsicanálise”
- Andréa Hortélio Fernandes, “Os chistes e sua relação com o inconsciente”
- Martha Wankler Hoppe, “Do modelo narrativo à escritura do fato clínico: o drama do paciente e o caso do analista”
- Marta Regueira Fonseca Pelegrini, “Um artista da fome: reflexões sobre os distúrbios alimentares e a psicanálise”
- Ana Moura e Isac Nikos, “Estudo de caso, construção do caso e ensaio metapsicológico: da clínica psicanalítica à pesquisa psicanalítica”
- Tânia Rivera, “Quero ser John Malcovitch ou através do espelho e de suas fendas”
Clinicando
- Francisco Martins e Valeska Zanello, “Psicanálise e promessa – acerca dos atos de linguagem no início do tratamento psicanalítico”
Panorama
- Contardo Calligaris, “Efeitos colaterais”
Clínica do Social
- Octavio Souza, “Algumas dificuldades do ensino da psicanálise na Universidade”
Infância
- Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem-CPPL, “Atirei o pau no gato-to, mas o gato-to não morreu-reu-reu”
Vida bandida
- Voltaire de Souza, “Amor e chumbo” e “Poder feminino”
Livros em destaque
- Chaim Samuel Katz, “Judeidade: exílio, diáspora, devir, desejo de diferença, fuga do mesmo”
Congressos, conferências e palestras
Cursos, seminários e grupos de estudo
Notícias
Novidades bibliográficas nacionais
Novidades bibliográficas estrangeiras
Autores deste número
Normas de publicação
Editorial
Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, no 140/141, 3-5
O ano de 2000 desta decadente, mas persistente, Era Cristã tem sido particu- larmente complexo e estimulante para a psicanálise no Brasil. Durante o ano todo, observa-se uma oscilação entre crise e produção criativa e, talvez, essas duas manifestações não sejam, afinal, mutuamente exclusivas.Do ponto de vista da presença pública, a psicanálise no Brasil, contou, no ano em vias de conclusão, com grande destaque. Congressos nacionais e internacionais, exposições, produção editorial de livros e revistas, encontros científicos menores, tudo isso contribuiu para que a psicanálise não deixasse de ocupar um quase permanente espaço nos grandes jornais e na televisão, diversas vezes em notável destaque.
Essas manifestações parecem servir para reafirmar que a psicanálise ocupa, hoje, importante posição na cultura brasileira, lugar que não é nem recente nem restrito.
Uma passada de olhos retrospectivos em Pulsional Revista de Psicanálise, publicação noticiosa do campo, editada há 13 anos pela Livraria Pulsional – Centro de Psicanálise, revela que o ano começou com o anúncio da realização do encontro internacional sobre Os Estados Gerais da Psicanálise que acabou levando mais de 200 psicanalistas do Brasil para Paris, França, em julho. Numerosos e variados cursos de aperfeiçoamento e de Pós-Graduação foram anunciados na revista. A psicopatologia psicanalítica foi, sem dúvida, uma das áreas onde a produção científica e pedagógica ocorreu.
Além disso, como observou um antropólogo norte-americano, os psicanalistas no Brasil não evitam emitir opiniões e participar ativamente de manifestações políticas. O Brasil é um relevante tema de reflexão e de pesquisa para os psicanalistas, tanto dentro como fora da Universidade. Alguns contribuem sistematicamente com a grande imprensa, tendo espaço para emitirem suas reflexões e opiniões. A produção escrita aumentou sensivelmente em quantidade e qualidade. Alguns trabalhos – poucos, ainda, é verdade – apresentaram valiosas contribuições para o avanço do conhecimento do psiquismo humano. Outros contribuíram para esclarecer pontos obscuros e ainda outros, talvez a maioria, repetiram o já sabido e conhecido, de forma um tanto enfadonha. Porém, todo campo científico que se preza é assim: para haver avanço é necessário haver muitos trabalhos repetitivos e sem qualquer originalidade.
A releitura dos números de Pulsional deste ano revela, também, que a psicanálise se debruça sobre novas manifestações psicopatológicas. O autismo, o pânico, a depressão, as doenças psicossomáticas, os estados-limite (borderline) são apenas algumas das manifestações atuais do sofrimento humano que interessam à psicanálise. A violência e as psicopatologias do trabalho regido pela performance, levando ao persistente automatismo no fazer e concomitante ausência de pensamento e criação, também começam a chamar a atenção dos psicanalistas A prática clínica em enquadres outros também ocorre com crescente freqüência. Os psicanalistas estão trabalhando em hospitais, ambulatórios e igrejas e ainda muito pouco se sabe sobre esse tipo de atividade. É necessário aguardar mais relatos de casos para se ter uma idéia do que se passa nesses novos enquadres.Resta saber, entretanto, se todo esse fazer é um sintoma de sucesso da psicanálise, e o que quer dizer “sucesso”, em psicanálise.
A psicanálise só é bem-sucedida se ela fracassa. Essa é a lição paradoxal que nos legou Freud. A narrativa freudiana é marcada pelo fracasso. Não há um único caso clínico narrado por Freud, nem mesmo a espetacular narrativa de Elizabeth da montanha, que possa ser considerado bem-sucedido. Freqüentemente lemos em Freud que o sucesso serve para o narcisismo do ego, porém é inútil, e até nocivo, para o trabalho de pesquisa e pensamento. O tratamento da histeria é um insucesso tão marcante que levou Freud a gerar boa parte da psicanálise.Ora, levando a sério esta importante observação epistemológica, seria aconselhável nos determos em nossos fracassos e pensarmos e pesquisarmos sobre sua natureza e causa.
Talvez, o mais evidente fracasso ocorrendo na psicanálise praticada no Brasilseja o que se refere à formação do psicanalista. Há freqüentes reclamações de práticas charlatãs e de descuidos graves na formação. Os analistas em formação se queixam de falhas gritantes ocorrendo nas instituições psicanalíticas. As regras tradicionais – freqüência das sessões, duração de cada sessão e tempo que dura a análise – já não são obedecidas e as inovações que aí ocorrem não têm sido suficientemente estudadas e pesquisadas. Como a psicanálise é irregulamentável, passou a ser um campo propício para vigaristas e desonestos que se dizem psicanalistas sem terem qualquer preparo para isso. A análise pessoal do psicanalista também tem sofrido grandes modificações e é cada vez mais comum se observar pessoas se denominando psicanalistas sem nunca terem se deitado no divã de um consultório.
Sabe-se muito pouco sobre o papel do charlatanismo no progresso do conhecimento. Esse tem sido um assunto recalcado por todos os cientistas. Mas, aqui e ali, aparecem charlatões contribuindo de maneira positiva para o progresso da ciência, e com a psicanálise não tem sido diferente. Lembremos, por exemplo, de Groddeck, que Freud insistia em chamar de psicanalista, tendo sempre recusado esta denominação, com o argumento de que não queria ser chamado de charlatão.
Não dá para ignorar, também, a crescente produção escrita da denominada “teoria psicanalítica”, obra realizada por pensadores sem nenhuma prática clínica. Qual é o estatuto científico dessa produção? Evidentemente, ela não obedece aos ditames da metapsicologia, produção que nasce e se refere à vivência clínica. Mas será que ela não surge e se desenvolve porque os clínicos não estão interessados neste tipo de produção? E quais são as conseqüências clínicas desse tipo de trabalho, aparentemente desvinculado da própria prática clínica?
Crise e produção científica são manifestações do vivo campo da psicanálise no Brasil. Esperamos, portanto, neste ano que agora tem início, continuar fracassando sem mergulharmos na crítica melancólica e que encontremos forças para prosseguir sustentando a paradoxal fertilidade dialética do campo freudiano.
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