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Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental

Vol III n° 4 dezembro de 2000

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Editorial

A psicopatologia, sendo um discurso a respeito do pathos psíquico, está intimamente relacionada com a psicoterapia. Essa atividade, vinda da antiguidade grega, ou mesmo sendo anterior a ela, define a medicina como a arte de se ocupar dos fenômenos da paixão, do amor. Para se compreender melhor do que trata a psicoterapia, basta a lembrança de O banquete de Platão. Nele, o médico Erixímaco define a medicina como a arte de se ocupar dos fenômenos do amor. "É, com efeito, a medicina", diz ele, "para falar em resumo, a ciência dos fenômenos do amor, próprios ao corpo".

Como lembra, também, Pierre Fédida, em "Amor e morte na transferência" (in Clínica psicanalítica: estudos. São Paulo: Escuta, 1988), o médico está constantemente na relação com o amor porque as doenças físicas em sua evolução se apresentam como paixões amorosas. O médico cuida de Eros doente. Terapéia, em grego, é o cuidado exercido sobre Eros doente. O médico deve restabelecer o equilíbrio do corpo para que Eros doente pelo excesso de amor seja liberado desse excesso pelo amor que lhe traz o médico. Amor de médico é amor justo: estabelece uma contrapartida, um novo equilíbrio com a parte doente de Eros.

Nessas condições, prossegue Fédida, é preciso lembrar-se de que depois de Parmênides, Heráclito... o amor é pensado como duplo: há o amor popular, ou seja, o amor com seus excessos físicos e o amor celeste que está em relação com a justeza da palavra, com a justeza do logos. Um não pode ser sem o outro.

O desejo que anima o cuidado médico, como na ginástica e na música, é reencontrar a harmônica, o som harmônico, ou seja, sonoridades que não são consoantes, mas de cuja associação cria-se a harmônica. Nessas condições, o problema do amor se coloca em relação ao equilíbrio do ritmo, como também em relação ao problema da alimentação. Do discurso de Erixímaco, o que se depreende é que a doença física não é somente uma perturbação do amor, como só pode ser cuidada se o médico - porque ele é terapeuta - introduzir a justa proporção do amor.

Hoje em dia não há razão para recusar tal concepção e, por isso, é necessário desenvolver a idéia de que é preciso falar de psicopatologia somática e não de psicossomática. Psicossomática reintroduz o problema da influência da psique sobre o somático ou o inverso, sem levar em conta o que comporta o termo "psicopatologia". Ora, conclui Fédida, na tradição do poeta Ésquilo, em Agamenon, emprega-se a expressão patei matos para designar o que é pático, o que é paixão, o que é vivido. Aquilo que pode se tornar experiência. Em alemão se empregam os verbos erleben (presenciar) - erfahren (experimentar). "Psicopatologia" literalmente quer dizer: um discurso do sofrimento que porta em si mesmo a possibilidade de um ensinamento interno. Como paixão, torna-se uma prova e, como tal, sob a condição de que seja escutada por alguém, traz em si mesma o poder de cura. Isso coloca imediatamente a posição do terapeuta. Uma paixão não pode ensinar nada, pelo contrário, conduz à morte se não for ouvida por aquele que está fora, por aquele que é estrangeiro, por aquele que pode cuidar dela. A psicopatologia é, pois, o justo discurso pronunciado por aquele que cuida, que trata o pático visando a constituição de uma experiência.

A Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental vai, aos poucos, junto com os Laboratórios de Psicopatologia Fundamental, a Rede Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, o Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental e o Prêmio Pierre Fédida de Ensaios Inéditos de Psicopatologia Fundamental, se constituindo um meio, um ambiente, onde esse discurso a respeito da paixão vai se constituindo no Brasil. Aos poucos, também, médicos, psicólogos, psicanalistas etc., vão descobrindo palavras que representem, da forma mais justa possível, o vivido na clínica.

Os textos publicados na Revista, provenientes não só de muitas partes do Brasil como, também, de outros países, vão se constituindo um tecido representacional do vivido no tratamento das paixões, daquilo que adoece, ou melhor, faz doer no corpo - dolecere.

Quando se observa mais de perto os artigos que têm sido publicados na Revista, nota-se que freqüentemente eles não obedecem aos rigorosos ditames da ortodoxia, ou seja, não são discursos enquadrados por uma determinada teoria paradigmática. São, ao contrário, discursos miscigenados que buscam aqui e ali, nas mais diversas fontes, muitas vezes contraditórias, as palavras necessárias para a justa representação do vivido revelando, assim, que o vivido é o determinante da representação e não as representações já existentes sob a forma e teorias paradigmáticas. Revela-se, dessa forma, a principal exigência da psicopatologia: a de não ser uma teoria, mas uma metapsicologia. Enquanto aquela obedece aos ditames epistemológicos e metodológicos das ciências hipotético-dedutivas, a metapsicologia recusa o estatuto de teoria por ser um discurso representacional do vivido que, por definição, não se enquadra em nenhuma exigência discursiva teórica. O que rege a psicopatologia é o amor justo em relação à paixão, ao pathos, e não os requisitos hipotético-dedutivos da ciência empírica. A psicopatologia parte do vivido na clínica e busca a construção de um logos que represente, com justeza, esse mesmo vivido, sem se prender a outras exigências, a outros amores.

De 15 a 17 e setembro de 2000, ocorreu, em Campinas, o V Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, sob a coordenação do prof. dr. Mario Eduardo Costa Pereira, diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Esse encontro teve a característica de reunir especialistas das mais diversas orientações discursivas - desde neurologistas até poetas, passando por psiquiatras, psicólogos, psicoterapeutas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicanalistas, jornalistas, teatrólogos, músicos, arquitetos etc. - para falarem do que tratam, do que vivem em suas atividades: o pathos. Reafirmou-se, então, de uma maneira límpida, que ninguém, no mundo de hoje, detém os direitos de um discurso exclusivo sobre o sofrimento humano. Os múltiplos discursos representativos do vivido no tratamento do pathos são, eles mesmos, amorosos e não hipotético-dedutivos ou teóricos. Assim como não há psicossomática, também não existe teoria em psicopatologia.

Fica, assim, evidente que o discurso psicopatológico é extremamente exigente, pois se reconhece não só por representar o vivido na clínica, como por ser portador de uma terapéia, o terapêutico da clínica.

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